RECUPERAÇÃO JUDICIAL: A HORA É AGORA

15 de abril de 2020

Luiz Eduardo Vacção

Advogado e Sócio da Vacção Carvalho Duck Advocacia

 

Muitos são os escritos, artigos, notícias e opiniões acerca de a Recuperação Judicial ter um “timing” certo para seu ajuizamento[1][2][3]. Esta constatação ocorre porque da análise dos processos em trâmite que nos chegam aos olhos, se constata que a maioria absoluta tratam de empresas que o pedido mais adequado seria um pedido de autofalência, tamanha a crise instaurada, sendo extremamente questionável se existe a “viabilidade” exigida pela lei através do artigo 47 da Lei 11.101/2005. Nestes casos, já existe massivo endividamento, impactando diretamente no caixa das empresas, que se vem alijadas do mercado de crédito, estando incertas num ciclo vicioso que qualquer ferramenta que venha a ser utilizada tenha poucas chances de êxito.

Entretanto, não se olvide que mesmo nesses casos também são vários aqueles que efetivamente chegam a aprovação do plano de recuperação judicial, que serve de ferramenta para a efetiva retomada da operação. Observa-se, no entanto, que houve efetiva mudança de mentalidade do empresário, no sentido de tomar ações que vão além de aproveitar a carência, descontos e prazos de pagamento alcançados pela aprovação do plano de recuperação judicial, que implementam efetivas mudanças de gestão, de processos, eventual alteração de estrutura de emprego de recursos humanos e afins.

Fato é que, como dito e redito nos artigos no início mencionados, a recuperação judicial possui um momento ideal de ajuizamento que, em termos gerais, seria antes do início dos protestos e do ajuizamento de execuções que possam comprometer o ativo empresarial, quando então o stay period[4] teria seus efeitos maximizados, dando muito mais mobilidade a gestão empresarial.

Também não é segredo a enorme crise econômico-financeira que a pandemia ocasionada pelo COVID-19 já causa e causará, afetando a todos, ou seja, empresas, empresários, trabalhadores e o fisco em suas três instâncias. A crise de crédito já existe, com os bancos, fundos e financeiras restringindo de modo antes nunca visto o acesso ao dinheiro, impactando diretamente no caixa das companhias, que literalmente do dia para a noite se viram sem recursos para arcar com seus custos fixos, em especial a folha de pagamento.

Ainda que mundo a fora existam esforços governamentais, tais como a injeção de capital na economia, cujos recursos não estão chegando no destinatário final[5], ou ainda a flexibilização de leis trabalhistas na intenção de manter os postos de trabalho, essas ações externas não estão sendo eficientes neste momento, que ainda podemos considerar como o início da crise, sem que tenha se instalado o momento da paralisação total do cenário econômico, cujos efeitos nefastos são fáceis de prever.

Com isso, sendo o empresário o senhor de seu destino e de sua companhia, cabe a ele tomar as medidas necessárias para o sucesso do negócio e, quando estes vão mal, evitar o infortúnio, deixando os auxílios diretos governamentais diretos, como os citados.

Neste cenário, ao empresário que já vinha enfrentando dificuldades antes da pandemia, importante considerar o auxílio de instrumentos de turnaround, em especial a Recuperação Judicial, a qual, neste momento, é a única medida judicial correta e adequada para que se consiga a paralisação temporária de pagamentos de toda a ordem, dando o folego necessário para atravessar este conturbado período de modo menos traumático.

Ao ter deferido o processamento de recuperação judicial, a empresa automaticamente suspende o pagamento de todas as suas dívidas antigas pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, período no qual deverá negociar com esses credores a melhor forma de saldar os débitos.

Incluem-se aí fornecedores, credores bancários e trabalhadores. Mesmo aqueles credores que teoricamente não tenham seus créditos sujeitos aos efeitos da recuperação judicial (fisco e credores detentores de alienação fiduciária), também são chamados a negociar, já que assim como os demais não poderão invadir o patrimônio da empresa para conseguir o pagamento.

Não se ignora que pipocam julgados por todo o Brasil concedendo às pessoas físicas e jurídicas o direito a suspender, postergar ou diminuir o pagamento de contas[6][7][8]. Todavia, estas decisões decorrem muito mais de entendimento pessoal de cada juiz do que necessariamente de previsão legal, sendo que igualmente existem decisões que indeferem pedidos idênticos, feitos sob o argumento da crise em razão da pandemia[9].

Na recuperação judicial não existe esta discricionariedade. Tendo sido apresentados todos os documentos que a lei exige, o juiz é obrigado a deferir o processamento, aplicando automaticamente a suspensão dos pagamentos pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias.

Com efeito, a recuperação judicial, dentre todas as outras, se mostra como a medida mais correta e adequada, atuando como verdadeira ferramenta de gestão, possibilitando à empresa atravessar os tortuosos tempos que enfrentamos de modo muito mais tranquilo, calcado no firme objetivo de chegar do outro lado com danos muito menores do que aqueles que se aventurarem de outros modos.

 

 

[1] BOSCHINI, Cidinaldo. Recuperação judicial, o tempo, o time e o capital. InRecuperação judicial, o tempo, o time e o capital. [S. l.]. Disponível em: https://www.tmabrasil.org/blog-tma-brasil/artigos/recuperacao-judicial-o-tempo-o-time-e-o-capital. Acesso em: 15 abr. 2020.

[2] FILHO, Divonsir Borba Côrtes. A hora certa de buscar a recuperação judicial. InA hora certa de buscar a recuperação judicial. [S. l.], 15 fev. 2016. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/a-hora-certa-de-buscar-a-recuperacao-judicial-28i7an73pyo4kcsl8nyv98v74/. Acesso em: 15 abr. 2020.

[3] SCOCUGLIA, Livia. Tempo certo para entrar em recuperação judicial é crucial para salvar empresas, dizem especialistas. InTempo certo para entrar em recuperação judicial é crucial para salvar empresas, dizem especialistas. [S. l.], 22 mar. 2016. Disponível em: https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/justica/tempo-certo-para-entrar-em-recuperacao-judicial-e-crucial-para-salvar-empresas-dizem-especialistas-22032016. Acesso em: 15 abr. 2020.

[4] Prazo de 180 (cento e oitenta) dias em que as execuções contra a empresa ficam suspensas em razão do deferimento do processamento da Recuperação Judicial.

[5] GRANDI, Guilherme. Donos de bares e restaurantes não conseguem acessar crédito prometido pelo governo. InDonos de bares e restaurantes não conseguem acessar crédito prometido pelo governo. [S. l.], 8 abr. 2020. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/bomgourmet/gestao-e-financas/empresario-dificuldade-acesso-credito-prometido-por-governo/. Acesso em: 15 abr. 2020.

[6] CARDOSO, Rômulo. COVID-19: Juiz de Altônia defere tutela de urgência para que não ocorra a suspensão do fornecimento de luz elétrica a uma empresa que fabrica e comercializa alimentos. InCOVID-19: Juiz de Altônia defere tutela de urgência para que não ocorra a suspensão do fornecimento de luz elétrica a uma empresa que fabrica e comercializa alimentos. [S. l.], 31 mar. 2020. Disponível em: https://www.amapar.com.br/noticia-rss/item/covid-19-juiz-de-alt%C3%B4nia-defere-tutela-de-urg%C3%AAncia-para-que-n%C3%A3o-ocorra-a-suspens%C3%A3o-do-fornecimento-de-luz-el%C3%A9trica-a-uma-empresa-que-fabrica-e-comercializa-alimentos.html. Acesso em: 15 abr. 2020.

[7] VIAPIANA, Tábata. Juízes suspendem exigibilidade de crédito tributário e de CND. InJuízes suspendem exigibilidade de crédito tributário e de CND. [S. l.], 31 mar. 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-mar-31/juizes-suspendem-exigibilidade-credito-tributario-cnd. Acesso em: 15 abr. 2020.

[8] CARRARO, Fabiano Lopes. Juiz suspende parcelas do FIES de advogado por causa do coronavírus. InJuiz suspende parcelas do FIES de advogado por causa do coronavírus. [S. l.], 5 abr. 2020. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/juiz-suspende-parcelas-do-fies-de-advogado-por-causa-de-coronavirus/. Acesso em: 15 abr. 2020.

[9] ANGELO, Tiago. Queda de faturamento não permite suspensão de aluguel, diz TJ-SP. InQueda de faturamento não permite suspensão de aluguel, diz TJ-SP. [S. l.], 14 abr. 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-abr-14/queda-faturamento-nao-permite-suspensao-aluguel-tj-sp. Acesso em: 15 abr. 2020.

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