O PERMISSIVO LEGAL PARA A RECUPERAÇÃO JUDICIAL DO PRODUTOR RURAL – RECONHECIMENTO DA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS PÁTRIOS

26 de abril de 2021

Em 24 de dezembro de 2020, foi sancionada pelo Presidente da República a Lei n.º 14.112/2020, que trouxe diversas alterações à Lei n.º 11.101/2005, a chamada Lei de Falências e Recuperação Judicial.

Dentre as alterações promovidas na Lei n.º 11.101/2005, houve a inclusão de dispositivo que possibilita ao produtor rural se valer do instituto da Recuperação Judicial como forma de superar crise econômico-financeira, buscar o soerguimento e lograr êxito na preservação da atividade rural, tudo com o fito de atender o previsto no renomado artigo 47 da Lei retro citada.

Neste passo, cumpre transcrever o contido nos § 2º e § 3º do artigo 48 da Lei n.º 11.101/2005:

[…]

§2º No caso de exercício de atividade rural por pessoa jurídica, admite-se a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo por meio da Escrituração Contábil Fiscal (ECF), ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir a ECF, entregue tempestivamente.

§3º Para a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo, o cálculo do período de exercício de atividade rural por pessoa física é feito com base no Livro Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR), ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir o LCDPR, e pela Declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF) e balanço patrimonial, todos entregues tempestivamente.

A inserção da indigitada norma pode, em um primeiro momento, ser vista como pontual evolução legislativa, porém, não se pode escapar aos olhos dos operadores jurídicos que o Poder Judiciário, ao enfrentar a discussão acerca da possibilidade do produtor rural se valer da Recuperação Judicial, já decidia no sentido de autorizar e determinar o processamento do feito recuperacional.

Cumpre observar que é cediço o conhecimento de que o ramo do agronegócio é uma das peças fundamentais para o país prosperar na economia, fazendo com que haja maior sustentabilidade da economia brasileira.

Nesse sentido, não há como negar que o agronegócio tem características de empresa ou empresário rural. Sendo de grande importância para a economia do país, o legislador estabeleceu no artigo 971 do Código Civil que aquele que exerce atividade rural possui a opção de se sujeitar ou não ao regime empresarial, ou seja, trata-se de uma faculdade dada pelo legislador ao produtor rural para que efetue o registro perante a Junta Comercial.

Com isso, o debate no judiciário tem como nascedouro o emblemático caso Pupin, que chegou ao Superior Tribunal de Justiça através do Recurso Especial autuado sob n.º 1800032/MT, que tramitou na 4ª Turma e contou com a Relatoria do Ministro Marco Buzzi.

O cerne da discussão residiu se a inscrição do produtor rural perante a Junta Comercial possuía natureza constitutiva ou declaratória, posto que um dos requisitos previstos no art. 48 da Lei n.º 11.101/2005 consiste na necessidade de o devedor comprovar o regular exercício da atividade há mais de 02 (dois) anos, o que se faz mediante a apresentação da certidão de registro, consoante dicção do art. 51, V, da referida lei.

No caso Pupin, vencido o Relator, o resultado final foi favorável aos produtores rurais, seguindo o entendimento de que diante da especificidade, o lapso temporal de atividade pode ser comprovado por outros mecanismos de prova, concluindo assim que a inscrição do produtor rural na Junta Comercial possui natureza declaratória.

Neste compasso, novos pedidos de Recuperação Judicial começaram a ser requeridos, chegando desta vez a discussão na 3ª Turma da Corte Superior, que ao julgar o Recurso Especial n.º 1811953/MT, novamente posicionou-se a favor dos produtores rurais, o que também se vê no Recurso Especial n.º 1883945/PR.

Com isso, há diversos julgados nos Tribunais Pátrios que caminham no entendimento de que a Recuperação Judicial é possível de se estender ao produtor rural, pois a atividade empresarial não se constituiria somente por meio do registro da Junta Comercial, mas sim pelo exercício da atividade profissional de forma organizada, recorrente e com finalidade lucrativa.

Não obstante isso, na III Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal foram editados os seguintes enunciados:

ENUNCIADO 97 – O produtor rural, pessoa natural ou jurídica, na ocasião do pedido de recuperação judicial, não precisa estar inscrito há mais de dois anos no Registro Público de Empresas Mercantis, bastando a demonstração de exercício de atividade rural por esse período e a comprovação da inscrição anterior ao pedido.

 

ENUNCIADO 198- A inscrição do empresário na Junta Comercial não é requisito para a sua caracterização, admitindo-se o exercício da empresa sem tal providência. O empresário irregular reúne os requisitos do art. 966, sujeitando-se às normas do Código Civil e da legislação comercial, salvo naquilo em que forem incompatíveis com a sua condição ou diante de expressa disposição em contrário.

 Assim, contextualizando as alterações legislativas ocorridas com o entendimento jurisprudencial pátrio, pode-se concluir que a inserção dos § 2º e § 3º ao artigo 48 da Lei n.º 11.101/2005 mediante a promulgação da Lei n.º 14.112/2020, que é fruto de projetos que tramitaram por longos anos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, converge e ratifica o posicionamento do Poder Judiciário, permitindo que produtores rurais em crise econômico-financeira possam valer-se da Recuperação Judicial como forma de soerguimento e preservação da atividade, desde que comprovado o regular exercício por mais de 02 (dois) anos mediante documentos contábeis e fiscais próprios.

Claramente, a inserção do permissivo legal mostra o reconhecimento às acertadas decisões proferidas pelas Cortes Recursais, além de alinhar-se ao posicionamento de renomados juristas, bem como se mostra reconhecidamente como um avanço na garantia dos direitos de todos os produtores rurais, que são de suma importância para a economia nacional.

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